Robin Williams é o exemplo mais recente do velho tabu que
parece estar chegando ao fim. A polícia americana confirmou, ontem, que o ator
se matou, na última segunda-feira. O intérprete do inesquecível professor John
“O captain! My captain!” Keating, de “Sociedade dos poetas mortos”, filme de
1989 que marcou uma geração, tirou a própria vida, dentro de casa, em San
Francisco (EUA). A informação ganhou, de imediato, páginas de jornais, telas de
TVs e sites de todo o mundo. Na era das coberturas jornalísticas em tempo real,
a regra é destacar, com pressa, sujeito e verbo. Construídas ao vivo, as
reportagens são disparadas com o “quem morreu”. Só na sequência, ganham onde,
quando, como, por quê. Assim, vai-se desmontando a blindagem que cerca o
suicídio, pacto de épocas menos urgentes e de intimidade pouco compartilhada.
Notícias de suicídio multiplicam-se na imprensa e tomam
as redes sociais. Sem muito esforço de memória, é possível lembrar que, no
último par de anos, desistiram da vida o grande ator brasileiro, a estilista
famosa, o jovem hacker, o diretor de cinema, o estudante ainda menino, o
baixista da banda de rock nacional, o humorista, a talentosa jornalista de
política, a vizinha de prédio, o paciente do hospital. Tantos casos sugerem que
as ocorrências estão aumentando. E estão. Não é de hoje.
A Organização Mundial de Saúde deu o alerta. Por ano, há um
milhão de suicídios no planeta. Já é a terceira causa de morte na faixa etária
de 15 a 35 anos. A predominância de casos entre idosos, no último meio século,
cedeu lugar a grupos de jovens e adultos de até 45 anos. Em 2020, estima-se que
2,4% dos gastos globais com saúde serão para tratar tentativas de suicídio.
Para cada pessoa que se mata, cinco ou seis sofrem consequências emocionais,
sociais ou econômicas. No Brasil, em 2006, foram 24 casos por dia.
Com base nessas estatísticas, o Ministério da Saúde do
Brasil elaborou um manual de prevenção do suicídio voltado a profissionais que
tratam de pacientes com transtornos mentais. A Associação Brasileira de Psiquiatria,
em 2009, editou cartilha para orientar a cobertura jornalística, do ponto de
vista da área médica. O material, ainda atual, está na internet. Recomenda, por
exemplo, que os casos sejam relatados pela imprensa, mas sem fotos, relato
detalhado sobre o método e identificação do local.
Este ano, a entidade vai centrar a campanha do Dia Mundial
de Prevenção ao Suicídio, 10 de setembro, no combate ao preconceito contra
tratamentos psiquiátricos e no fim do tabu ao debate público. Transtornos de
humor (como depressão e bipolaridade) estavam por trás de 36% de 15.600 casos
acompanhados pela OMS, diz Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP. Outros
22% tinham a ver com o uso de substâncias (álcool e drogas, por exemplo). “Só
3% dos casos mapeados ficaram sem diagnóstico. Em mais de 90% dos casos, os
suicidas padeciam de algum transtorno mental”, informa.
Mais que reflexão sobre fraqueza ou coragem de um indivíduo,
suicídio é questão de saúde pública. Daí a defesa de ampla e responsável
discussão, que se opõe ao passado que relacionava informação com incentivo.
Hoje, especialistas creem que, sabendo do risco, familiares e amigos poderão
identificar sinais de doença e encaminhar pacientes ao tratamento. Como em
tantos outros males, o fim ao tabu pode ser o antídoto contra a dor maior,
irreversível.
Escrito por Flávia Oliveira - O Globo
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