Na última década, além de roupas baratas, tem nos sido
vendido um mito: o de que comprar uma camisa por U$ 2 é um direito de nossos
tempos. A verdade é que não há nada de democrático no princípio de comprar
roupas por preços irrealistas. A equação é simples: se queremos que as coleções
cheguem mais rápido às prateleiras, os produtores têm de trabalhar mais e mais
rápido; se queremos que nossas roupas custem menos, então o custo da produção –
e os salários – têm de ser menores.
Para atender ao que se tornou uma corrida global pela
chamada “fast-fashion” (o fast-food da moda), marcas passaram a exigir a troca
constante de novas coleções, os estoques são mantidos intencionalmente baixos
para impulsionar as compras, e a rede de fornecedores têm de responder às
últimas tendências, trocando a produção em questão de horas. Como resultado, as
roupas estão mais baratas e perecíveis do que nunca, alimentando os ganhos da
indústria de vestuário, de U$ 3 trilhões ao ano.
No ano passado, o colapso do prédio Rana Plaza, em
Bangladesh, onde funcionava um complexo de fabriquetas – que produziam roupas
para as mais populares marcas do Ocidente – deixou quase 1.200 trabalhadores
mortos, no maior acidente industrial em 30 anos, e colocou em evidência os
custos humanos da “fast-fashion”, um alerta para que o público começasse a
fazer uma pergunta importante: quem está por trás das roupas que vestimos?
A resposta está frequentemente ligada a uma dinâmica
complexa, um mecanismo de exploração que funciona na base da cadeia moderna de
suprimentos, e que tem suas raízes na pobreza, negligência e, mais do que tudo,
na corrupção, o combustível que abastece a escravidão moderna.
De acordo com a organização Walk Free, há pelo menos 30
milhões de pessoas escravizadas no mundo, o maior número na história.
Infelizmente, o tráfico de pessoas é um negócio que cresce rapidamente e
movimenta quase U$150 bilhões ao ano, mais do que o PIB da maioria dos países
africanos e três vezes os lucros anuais da Apple.
Escravidão é um assunto global, que vai além da indústria da
moda. Relatórios recentes destacam o apelo de nepaleses que trabalham na
construção civil no Qatar por U$ 0,75 a hora em jornadas de 20 horas e de
imigrantes burmaneses na Tailândia que são traficados, brutalmente espancados e
escravizados para pescar em alto mar o camarão que chega aos nossos
pratos.
Hoje, se comparado o PIB de países com o lucro de
corporações globais, percebe-se que estas são maiores e mais poderosas que
muitos governos. No entanto, essas entidades transnacionais são pouco
questionadas. As cadeias de suprimentos estão se tornando cada vez mais longas
e complexas e frequentemente transferem sua responsabilidade à certificação de
terceirizados que, na realidade, não garantem muita coisa. Mesmo quando as
empresas querem fazer a coisa certa, muitas vezes não sabem o que se passa
exatamente em suas cadeias de suprimentos.
E há a corrupção. Muitas das fábricas em Bangladesh, onde os
trabalhadores mal pagos perderam suas vidas, assim como centenas de fábricas
indianas, onde as meninas são vítimas de trabalho forçado, foram “eticamente
auditadas”. Mas algumas destas auditorias não são nada mais do que negócios
lucrativos e fraudulentos administrados por empresas impostoras locais contratadas
por grandes multinacionais.
Segundo a ONU, tanto os governos como as empresas
compartilham um princípio de responsabilidade. Em outras palavras, os Estados
têm a obrigação de estabelecer salários mínimos legais justos e as empresas
devem pagar os salários em conformidade. Mas a ONU também afirma claramente
que, se os governos não conseguem garantir padrões salariais adequados, as
empresas têm a obrigação de respeitar o direito humano a um salário mínimo e,
portanto, devem estar prontas para tomar a iniciativa nesse sentido.
Uma economia cada vez mais global exige normas e
regulamentos internacionais.
Temos normas rígidas e bem definidas de segurança e de
regulamentação em toda a indústria da aviação, por que não deveríamos ter
medidas universais para manter a escravidão fora das cadeias de abastecimento?
Mas a regulamentação global não é certamente a única
resposta. Na verdade, se usarmos o mercado como uma força para o bem,
poderíamos ver a mudança em um ritmo muito mais acelerado. Os governos podem
levar anos para aprovar leis, e talvez nunca aplicá-las, enquanto as grandes
empresas têm a capacidade de pagar preços de produção mais justos e realistas
imediatamente, impactando todo o mercado e mudando a vida de milhões de
indivíduos com a decisão simples de retribuir de forma adequada seus
trabalhadores.
Um salário digno é um direito humano e é fundamental que os
consumidores estejam plenamente conscientes do poder em suas mãos. Nós
estaremos no caminho certo somente quando olharmos para um vestido de U$ 8 como
um alerta vermelho e não como um bom negócio.
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