sábado, julho 07, 2007

Memórias...

Eu já escrevi aqui sobre o “que eu queria”. Uma das coisas que eu queria – muito – era dominar a arte de contar histórias. Agora, por exemplo, que eu decidi colocar aqui as minhas histórias, vou sofrer pra isso! Se eu dominasse a arte de contar histórias, não seria essa sofreguidão toda!
Mas deixando de delongas...
“Contar histórias”... Não que eu seja uma pessoa experiente, mas porque experiência pra ficar guardada na memória, pelo menos na minha cabeça, não faz sentido! E é por isso que eu vou começar a coloca-las aqui e compartilhar com todo mundo (que quiser, claro!).
A primeira delas é o começo. Até porque não faria sentido contar as histórias sem contar como tudo começou!
Era fevereiro de 2001. A proposta para trabalhar num programa de TV em Brasília chegou. Sem tempo pra pensar (talvez se tivesse tido, não teria ido), em dois dias eu desembarquei na capital do país, pra desbravar o que eu descobriria posteriormente – e que a humanidade já sabia – um cerrado! Meio do mês de fevereiro, eu numa cidade diferente de tudo o que eu já tinha visto na vida, terra vermelha por todos os lados, um calor escaldante de dia e um frio de bater qualquer queixo à noite e, pior: minha cama e o meu travesseiro, uns 1600 quilômetros distantes de mim! Pronto! Só faltava enterrar...
Bem, mas não morri e to cá pra contar o começo da saga candanga.Um mês depois do meu desembarque naquela loucura, fui pra rua fazer matérias policiais. É, o programa chamava-se
Barra Pesada e a editoria dele, Polícia! A partir desse dia, eu não tinha idéia, mas nada mais me seguraria!!!

Passei a ver coisas que eu jamais imaginei que veria em toda a minha existência.
Vi filhos matarem pais. Rapazes matarem amigos.
Mães chorarem sobre corpos de filhos assassinados. Filhos entregarem mães à polícia. Enteados jurarem “re”matar homens, se necessário fosse.
Vi acidentes de trânsito mais assustadores do que tudo o que a minha mente consegue pensar.
Vi inocentes serem trancados numa cadeia por crimes que jamais cometeriam e vi culpados serem mantidos em liberdade.
Vi meninos serem violentados sexualmente por padrastos e meninas serem estupradas por “tios da kombi”.
Houve séries de homicídios e homicídios em série.
Vi, de posição privilegiada, tiroteios. Foram oito oficiais, fora eventuais disparos para dispersar multidão. Esses eu nem conto.
Vi, de muito perto, rebeliões de presos e tive oportunidade de ver como funciona os bastidores de negociação e gerenciamento de crise.
Ao todo foram quatro anos. Quatro anos convivendo com uma realidade sem rotina. Com a realidade chocante do jornalismo policial. Nesse tempo eu dei razão ao que ouvia nos tempos da faculdade: polícia é, sim, escola de repórter! Foram quatro anos de riqueza de aprendizado, talvez os quatro anos mais produtivos da minha vida.
Foram eles que me ensinaram como a vida é preciosa, e que ela pode se acabar e transformar tudo o que sou em absolutamente nada. Eles me ensinaram que honrar pai e mãe é muito mais que um mandamento com promessa – como se isso fosse possível -, é precioso, é necessário. É bonito, é humano, é social.
Com os quatro anos aprendi a empunhar e utilizar uma arma de fogo. A diferenciar uma PT.380 de uma .40 e de outra 9mm e a ver semelhanças entre um revólver de calibre 38, um de calibre 22 e uma espingarda de calibre 12.
Aprendi a ter medo. Naquela realidade, ele garantia a minha segurança e integridade física.
Aprendi a valorizar o trabalho da polícia e a justificar certas ações vistas pela sociedade como arbitrárias. Agora sou adepta do lema “só valoriza quem já foi ajudado por ela” – e olha que eu já fui (pode ser que isso só se aplique a corporações sérias como as que eu encontrei no DF).
Os quatro anos sem rotina, passando 95% das noites e 98% dos dias nas ruas atrás de notícia, me ensinaram a temer o trânsito. Motocicletas então... aprendi a ter verdadeiro pavor! Elas sempre protagonizaram os verdadeiros choques que os meus olhos levaram ao meu cérebro!
Aprendi a valorizar um momento simples como uma ida ao cinema com os amigos, ou uma reunião em casa – que até hoje eu prezo demaaaais.
Aprendi a não subestimar a inteligência de um vagabundo e a não superestimar também. Cada um tem sua capacidade e nunca duvide disso!
Aprendi a enfrentar um cara perigoso durante uma entrevista com serenidade nos olhos, coragem na voz e força no microfone pra não revelar a tremedeira da minha mão teimosa, que não obedecia ao comando do “ta tudo bem”.
Estas são apenas umas poucas coisas que aprendi. Aprendi a viver sozinha, aprendi por experiência o significado de ‘solidão’ e aprendi que chorar muito antes de dormir faz a gente acordar com olheiras horríveis e que em TV isso pode ser um grande problema.
Agora que resolvi colocar aqui algumas dessas experiências, vou tentar postar pelo menos uma por dia. Ao final, tudo o que eu vivi não terá um significado simples pra mim. Terá um significado grande e extremamente importante,já que eu o terei exposto a pessoas que podem até aprender alguma coisa. Obviamente essa não é a minha intenção, nem serei a responsável por ensinar, mas por expor aqui, publicamente, aquilo que me ensinou alguma coisa.Você que ta lendo, separe. Descarte aquilo que não acha importante e guarde aquilo que julgar necessário. Ou descarte tudo.....

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