terça-feira, julho 10, 2007

Trinta e muitos anos e medo de fantasma

Crianças com idade até cinco anos, que se assustam com a idéia de que “se fizerem pirraça vão ser levadas pelo homem do saco” (ou pelo “babau”, ou pelo “abominável homem das neves”....) é um fato perdoável. Não que eu aprove esse tipo de ameaça, mas eu entendo a razão dos pais ao fazê-las. Em Brasília eu até convivi com alguns filhos de amigos, que estavam em fase de crescimento, e que se pelavam de medo ao ouvirem um ou outro nome desses que eu citei ali em cima. Mas não foi só com crianças medrosas que eu convivi em Brasília não. Convivi também com muito homem barbado, que pro trabalho usavam farda (cinza ou preta... eheh), e que pediam pelo amor de Deus pra não passarem numa ou noutra rua, depois de certa hora da noite. Um caso era de um soldado da PM que trabalhava na Ceilândia, a maior cidade satélite do Distrito Federal, distante 40 quilômetros de Brasília. Eu conhecia muito bem todos os componentes da guarnição que trabalhavam com ele. Numa noite eu fui com eles verificar uma denúncia de que haveria três crianças sendo mantidas em cárcere privado numa chácara, num local de difícil acesso, uns 25 km longe do centro da cidade. Só pra chegar lá, nós demoramos trinta e cinco minutos, pela dificuldade de acesso. A estrada de terra, cercada de mato e com muitos buracos foi empecilho até para a X-Terra, o carro que as polícias do DF utilizam. Eu ia com eles dentro da viatura e estava sem a equipe, que viria me encontrar caso a denúncia se confirmasse. A viagem de ida foi meio tensa, já que ninguém conhecia muito bem o caminho e havia também a expectativa do que iríamos encontrar lá. Sem falar que eu estava com eles na viatura, isso é sempre sinônimo de preocupação. Eu ali significava mais cuidado da parte deles, eu era “paisana” (é assim que PM chama quem não é PM!) e a minha integridade física dependeria deles, se alguma coisa ocorresse. Lá na chácara, a denúncia não foi confirmada e depois de algum tempo, era hora de voltar pra cidade. Nós éramos quatro pessoas dentro da viatura (o “medroso” dirigindo, o sargento no carona, eu atrás do motorista e o patrulheiro atrás do sargento). Na saída do beco que dava acesso à entrada principal da chácara começaram os problemas. O A. (a inicial do nome dele... eheh) teve dificuldade pra manobrar a viatura e disse que não saía de ré porque não teria visão perfeita da estradinha e podia ter alguma coisa por ali (por alguma coisa, leia-se algo assustador). No meio da manobra, entre idas e voltas aos pés das árvores que faziam o redor da ruinha, ele viu uma luz em algum lugar, lá no meio do mato. “Luz??? Ce ta doido! Onde vai ter luz ali?”, era eu perguntando. “Flávia, cala a boca pra ninguém ouvir. Eu vi a luz e vambora logo pra ninguém querer ter certeza que não tem ninguém aqui”, era ele respondendo. “Ih, Flávia... deixa ele pra lá. Esse cara tem medo da própria sombra!”, era o sargento intervindo. Pois a frase acabou de ser proferida, e o A. derrapou com a viatura e saiu tirando “fino” do matagal da beira e deixando um rastro de poeira pra trás. Eu ri muito, e nem reparei que ele tava fazendo seqüências de sinais da cruz e murmurando algo inintendível que devia ser, no mínimo, alguma súplica santa. Como não bastasse, ele dirigia rapidamente pela estrada, quando, no breu de quase 3 horas de uma manhã sem lua, duas mulheres à beira da estrada faziam sinais pedindo pra viatura parar. Ele fingiu que não viu o sargento sinalizar para que parasse, acelerou e deixou as duas mulheres pra trás. O sargento mandou que ele voltasse, para seu desespero. “Mas Cláudio, aquilo não era mulher de verdade. Você parece que não entende. São almas penadas, iguais àquelas que acenderam a luz lá na chácara”, só faltou o A. pedir pelo amor de Deus pro sargento não manda-lo fazer o retorno. “Pára, menino! Volta lá, elas podem estar precisando de ajuda”, era o sargento dizendo. “Ah, sim. Ajuda pra voltar pro inferno”. Por tudo o que é mais sagrado (sem trocadilho), o A. falou exatamente essas palavras! Ele fez outro sinal da cruz, engatou a ré e voltou, murmurando outra reza inaudível. As mulheres queriam carona e não conseguiam explicar como estavam ali tão distantes da cidade, àquela hora da noite e sem agasalho, já que Brasília tem clima desértico: calor de derreter durante o dia e frio de bater qualquer queixo à noite. Bem, a mulher mais nova sentou-se entre mim e o patrulheiro, no banco de trás da viatura e a outra, uma senhora bem idosa, com cabelos desgrenhados, descalço e desdentada (pra profundo desespero do A.), sentou-se na frente, entre o sargento e o motorista. Ela era miúda, quase raquítica e coube com facilidade ali. Continuamos conversando, as duas mulheres permaneceram caladas. Eu tinha percebido que a mão direita do patrulheiro era mantida sob a pistola, e ele estava pronto pra revidar qualquer ataque. O sargento também estava atento a todos os movimentos das visitantes, afinal, ninguém sabia quem eram elas e estavam acontecendo alguns atentados contra policiais naquela época em todo o Distrito Federal. Eles atuavam na cidade mais violenta e isso os tornara altamente cuidadosos. Quando faltava cerca de três quilômetros pra chegar à cidade, a senhora que estava na frente pôs a mão no braço direito do A., que estava no volante (porque o esquerdo estava completamente do lado de fora, pela janela que ele fazia questão de manter aberta, apesar dos meus pedidos pra que fechasse). Gente... foi uma das experiências mais divertidas da minha vida, olhar pelo retrovisor e perceber o desespero do A., olhando pro nada e forçando pra manter a atenção na estrada. O motorista recolheu o braço para o corpo, freou bruscamente a viatura, abriu o carro e desceu, batendo a porta atrás de si.
Ninguém entendeu nada (pelo menos as duas visitantes não, nós a esta altura podíamos supor...), e a senhora virou-se para o sargento, com um sorrisinho simpático denunciando as gengivas escuras: “Nossa, esse moço é muito bom. Eu nem disse que a gente mora ali e ele parou o carro”. A gargalhada no carro foi em uníssono. Elas desceram, despediram-se, agradeceram e se foram. Nós tínhamos agora que encontrar o A. e coloca-lo de volta na direção da viatura. Pois passaram alguns segundos e o avistamos vindo sem jeito por detrás de um montinho de mato, batendo na farda pra tirar carrapichos. “A., o que foi aquilo? Tava com medo da alma penada? Ela mora bem ali”, era o patrulheiro sacana toda vida. “Ow! Tem certeza de que aquelas duas eram gente? Pois eu tenho certeza que elas eram sim de outro mundo. Vocês tão falando porque não viram a cara dela me olhando”.
Quando retomamos a viagem, o A. tremia como vara verde. Não dava pra acreditar naquilo. Até hoje quando nos falamos, ele pergunta se naquele dia elas desceram mesmo da viatura ou sumiram no ar. E pior: ele jura que eu sei que elas sumiram no ar e falo que desceram da viatura e se despediram só pra não dizer que ele tem razão, que elas eram sim, duas almas de outro mundo! Esse Ailton.... (Ah, desculpa! Esse é o nome dele, quando vi já tinha escrito!).Eu to rindo aqui, só me lembrando do caso. E vou rir muito mais quando for escrever sobre o Molocotô, o fantasma que assombra os homens do Batalhão de Operações Especiais e já foi até alvejado por tiros de fuzil!

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