domingo, julho 15, 2007

A vez do Molocotô!

Hoje eu vim pra contar a história do célebre Molocotô. Possivelmente, se você não tem nenhum contato policial em Brasília ou não leu a minha outra postagem sobre “medo de fantasma’, você não sabe quem – ou o que – é o Molocotô. Mas eu explico! O quartel do Bope do DF fica no Setor Policial Sul. Isso nem viria ao caso, se eu não tivesse a intenção de dizer que o setor é um pouco afastado da “civilização” e fica escondido entre árvores, eu até diria que um lugar um tanto mal assombrado, por si só. Pois é. Como todo mundo sabe, policiais de Operações Especiais não ficam zanzando pela cidade como os outros, aqueles que a gente vê de farda cinza. Só por aí já dar pra ter uma noção do que pode acontecer num lugar (com essas características de localização) onde ficam quatrocentos homens aquartelados, sem terem o que fazer. É, porque quem me disser que os caras ficam lendo um livro, ta mentindo! O máximo que eles fazem é correr e malhar... e isso não toma mais que duas ou três horas do dia deles, quando muito! Pois é... e sem fazer nada, dá pra imaginar tudo o que eles fazem, né? Um bando de homem à toa... Pois muito bem. Muitas vezes eu tive oportunidade de produzir matérias noturnas nas dependências do quartel. Os temas dessas matérias, em geral eram relacionados ao treinamento policial deles, mas como esse não é o assunto desta postagem, deixe-me continuar. Numa dessas minhas visitas, já na hora de ir embora, estava eu com a minha equipe na guarda, aquela “cabaninha” que fica na entrada dos quartéis, onde paisano se identifica, quando eu vi dois policiais atravessarem correndo o pátio do quartel, apontando suas pistolas pro nada – pro nada porque eu não sou de ficar vendo coisas por aí... – e um deles gritando: “Agora eu te pego, safado! Agora eu acabo com a sua vida!”. Eu olhei pro soldado que tava dando baixa no meu cadastro com cara de interrogação e tive uma surpresa enorme, quando percebi o pânico nos olhos dele. Sem me responder, ele olhou pra dentro da cabininha da guarda e falou pro outro polícia que tava lá dentro: “Ow, irmão, pega a 12 aí que o cara apareceu de novo”.

Eu, com todo o meu feeling de repórter policial, disse pro cinegrafista: “Alexandre, guarda a Beta Cam no carro e pega a portátil. Tem alguém invadindo o quartel e isso com certeza vai dar merda. A gente tem que ter imagem de tudo”. E na minha cabeça viajei: “Caraca... imagens exclusivas! Putz! Amanhã a imprensa toda vai querer as nossas, somos os únicos a testemunhas um bando de otário tentando invadir o Bope, o batalhão mais temido do DF...”. E fiquei ali pensando, enquanto o Alexandre, ávido por boas imagens e por flagrantes loucos, ia até o carro, deixava a máquina de oito quilos e pegava a portátil, que pesa no máximo, um quilo e meio.
O soldado que estava dando baixa no meu cadastro e apavorado com a invasão, me olhou, incrédulo, e perguntou se a câmera pegava seres de outro mundo. “Seres de outro mundo? Ce ta doido?”, eu perguntei. “Não, Flávia, é que não é vagabundo que ta invadindo o quartel”. Antes que eu pudesse questionar alguma coisa, ouvimos dois tiros. E eram de 12! Ou seja, quem tinha atirado, era o cara que tava na guarda e tinha ido atrás dos outros dois, com a espingarda.
O Alexandre tava gravando tudo, captou o áudio dos tiros e tava pegando imagem do mato por onde os caras tinham se embrenhado. Pois menos de dois minutos depois, quase todos os homens que estavam nos alojamentos saíram pro pátio do quartel.
Mais alguns tiros foram disparados e eu pedindo pro Alexandre pra filmar, que depois a gente entendia tudo. Nessa hora, uma imagem vale mais que mil palavras! Imagina se saem os policiais do mato, carregando os responsáveis pela invasão! Ia ser a imagem do ano!
Outros homens conversaram com o soldado da guarda, que há muito tinha me deixado ali entre outros que iam chegando, sacavam suas armas e adentravam o mato. A parte mais séria – que depois passou a ser cômica – foi quando eu vi um sargento passar por nós com um fuzil. Eu não podia acreditar no que estava vendo. Nessa hora eu ainda pensava que todo aquilo tratava-se de uma “invasão humana”. O Alexandre também viu e me olhou. Nós tínhamos a capacidade de comunicação com o olhar. Ele logo entendeu e pôs-se a trabalhar: embrenhou-se no mato atrás do policial e eu, peguei o braço de um tenente amigo que tava do meu lado e murmurei um “vem comigo”. Ele nem teve chance de questionar e veio me seguindo (ou veio “sendo puxado por mim”, como queira!).
Eu via a luzinha da câmera do Alexandre e ouvia os passos de todos os policiais no mato. E tiros também eu ouvia. Agora eles estavam mais numerosos e com intervalos menores... eheh
Andamos uns três minutos e chegamos ao fim da linha! Todos os policiais que eu tinha visto sair do quartel estavam ali, apontando para o que, a meu ver, era nada. O sargento estava deitado no chão, em posição de guerra (aushahauauuaua), com o fuzil apontado para o mesmo nada de todas as outras pistolas. O meu amigo que eu tinha puxado comigo, virou-se rapidamente e apertou as mãos nos meus ouvidos uma fração de segundos antes do fuzil ser disparado. Mesmo assim o barulho era ensurdecedor.
Houve um burburinho que durou uns segundos e depois todos os caras correram para o “alvo”, no mínimo para ver se tinham acertado alguém. Eu fiquei parada ali, esperando, ainda com o ouvido zumbindo. Passaram-se dois ou três minutos e eu vi os homens voltando, um a um, com caras de derrota. Mais atrás vinha o sargento do fuzil, “amparado” por dois outros PMs. Ele dizia: “Pô, irmão, dessa vez não tinha escapatória. Eu ia matar ele e todo mundo ia passar a acreditar em mim”. Ao que um dos dois que estavam com ele respondia: “Ta bom, fera, a gente acredita que você quase acabou com ele, mas não precisa ficar se lamentando. Ele vai voltar”.
Fiquei ali e me assustei quando vi o sargento chegar perto do Alexandre e perguntar: “Tu filmou tudo, né, Barra Pesada? Bota essa fita pra gente ver aí. Se eu vi, você também gravou o Molocotô. Ele tava bem na minha frente, não tinha como errar o tiro de fuzil!”. O Alexandre olhou pro tenente, confuso e caiu na risada. “Molocotô? Que isso, sargento? Eu queria filmar os caras que tavam invadindo o Bope. Ia ser uma imagem perfeita e amanhã vocês iam pra TV como heróis”. Eu já tinha entendido, mas o Alexandre não.
O sargento olhou pra ele, desolado, e saiu. Acho que ele deve ter pensado que o Alexandre era mais um que não acreditava nele.
Voltamos pro quartel e vieram me contar que em todas as noites de lua cheia, o Molocotô vinha assombrar o quartel, era um fantasma que usava de roupas brancas. Aí era a minha vez de questionar: “Mas não tem lua hoje, o que foi que ele veio fazer aqui?”. O polícia respondeu: “Ele vem sempre que tem vontade de tirar a nossa paz. Mas hora dessas eu mato esse bicho e todo mundo vai acreditar em mim!”
Depois disso, um monte de outras histórias apareceram. Eu mesma ouvi pelo menos uma dúzia. Cheguei a presenciar outra “corrida” dessa e outros tiros algumas vezes, mas nunca fui atrás pra ver do que se tratava, antes de perguntar se era uma invasão humana ou uma invasão fantasmagórica... o que eu queria mesmo era ter visto o Molocotô. Sério! Queria mesmo... essa história teria ficado divertida e eu juraria ter visto, assim como os caras juram! Mas o fantasminha nunca me deu essa chance... vai ver ele tinha medo de ir parar na TV!
Até hoje o Molocotô assombra os homens do Bope e continuo ouvindo as histórias....mesmo estando longe desse tanto!

Um comentário:

Anônimo disse...

Ahhh, fala sério Flávia!!!! O que eles tomaram hein? Quero tbm! Caramba! rsss Bjinhos