Ser tímido*
Artur da Távola**
Para você, o que é ser tímido? Ficar num canto, medão dos outros, calado, mordido por si próprio, incapaz de gesto ou palavra? Não. Isso é ser inibido. O tímido é um doente do melhor de si mesmo.
Ser tímido é ficar mais do lado do garçom do que de si mesmo. É construir só na imaginação tudo que tem de melhor e esperar que o descubram. É se querer primeiro e se esperar por último. Ser tímido é temer a quem ama e detestar a quem teme.
É sentir alegria no que não dá resultado e enfadar-se com as vitórias. É esperar algo que não se sabe, mas se aguarda com fé. É encontrar calor nas derrotas e temer ganhar, pelos outros.
Ser tímido é ser provisório. Pode ser até brilhante. Mas sem raiva, senão de si mesmo, por ofuscar os outros. O tímido é o rei do sentimento do outro no lugar do próprio.
Ser tímido é escolher o lado de fora da vitrina.
Ser tímido é poder querer. É fazer sem que saibam, mas com necessidade de que saibam. Ser tímido é ser temeroso da própria vaidade, é querer entrar na festa, eterno penetra da alegria alheia, que a sua é secreta.
Ser tímido é situar tudo no plano do afoito ou do afeto, mesmo quando não existem. É manter a pão e água o que não dobrou em si mesmo. O que resiste. O que não se entrega. O que é mais forte até do que o desejo de não ser tímido.
Ser tímido é ficar de longe, intenso, mas imperceptível. Ser tímido é ter perdido a visão heróica de si mesmo e sentir-se muito melhor, embora julgasse que ia ser insuportável.
Ser tímido é viver convalescendo de si mesmo ontem. Mas igual a amanhã.
Ser tímido é esperar que o sintam, sabendo-se impossível. É voltar para casa numa solidão de luas e cães.
Ser tímido é manter viva a criança, rolar pelo chão com a vida que não teve, feliz porque ela se prolongou, na fantasia. É levar a vida que teve dentro da pasta, disponível. É saber mais do que faz.
Ser tímido é ficar feliz quando arestas do que é e sente são percebidas de graça. Num ato, num gesto, num olhar ou bofetada.
* Publicado originalmente no portal Médio Paraíba
** Artur da Távola é escritor e colunista do Médio Paraíba
Um comentário:
É a descrição perfeita do verdadeiro tímido! Uma leitura da alma dos muitos tímidos. E óbvio de mim, tímido que sou...
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