quarta-feira, maio 14, 2008

A Lei Áurea e o futebol

Do ótimo blog do coleguinha Juca Kfouri:

Há 120 anos era assinada a Lei Áurea pela Princesa Isabel.Uma lei com apenas dois artigos:
Art. 1º - É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.
Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.

Simples na escrita. Profunda nos seus designios. Motivo de festa nas ruas do país. Princípio da República.
Por caminhos tortos, a Lei Áurea foi muito mais importante para o futebol brasileiro que a Lei Pelé.
Quase 60 anos depois era lançado um clássico da literatura brasileira. O livro 'O Negro no Futebol Brasileiro' de Mario Filho.Pois o Brasil sem o negro seria um país de futebol nenhum. Um saco de pancada dos argentinos.
Mas a chegada dos antigos escravos no futebol foi lenta. Porque a abolição da escravatura no Brasil foi mais verbo que ação.
Os amigos de Charles Miller jogavam bola nos gramados bem cuidados dos clubes ingleses.
Os negros imitavam seus trejeitos nos campos de terra batida. Descalços e incultos. Criativos.
As portas dos clubes e das salas grã-finas eram fechadas aos negros. Até que os negros começaram a fazer gols. E o gol subverteu a história do Brasil. Abriu portas.
El Tigre. Olhos claros, tez indefinida, futebol de gênio. Como a sociedade escravagista poderia resistir aos dez mil gols de Fried?
Como se até o Champs-Élysées beijava seus pés? Como se ali do lado os uruguaios veneravam Jose Leandro Andrade?
Enquanto nossos jornais insistiam em chamar os jogadores negros de colored, hábito que persistiu até os anos 60, surgiu Fausto.E depois de Fausto, Domingos da Guia. E depois de Domingos da Guia, Leônidas. Leônidas que subverteu as leis da física com suas bicicletas tal qual Einstein.
O Brasil descobriu Zizinho. Ou será que foi Zizinho quem descobriu o Brasil?
Os mestres do apocalipse colonial porém insistiam: 'Temos talento mas não temos nervos. O negro é frágil, doentio, sifilítico...
'Como se as doenças da pobreza fossem causa e não consequência do Jeca Tatu.
Quando fomos derrotados em 50, um culpado: Moacir Barbosa!
Crime: Ser negro.
E baniram-se os negros da camisa número 1 da seleção brasileira.
Da camisa número 1. Porque das demais camisas era tarde demais. Ou não?
Publicou-se um relatório nos corredores do futebol antes de 1958. 'Com os negros não ganharemos uma copa jamais!'
Voltem as chibatas. Os navios negreiros. Restaure-se o pelourinho!
Eis que uma criança apanha uma bola na coxa, dribla um bretão e encaçapa uma bola nas redes com a sem cerimônia de um rei africano.
Silêncio.
A imagem daquele rapazola franzino sendo carregado em triunfo na Suécia era um paradoxo. Um cataclisma.
A liberdade oferecida no bico de pena era agora conquistada na ponta da chuteira.
O Brasil se descobria Brasil nos pés e na arte de um neto de escravos.
Pois, que importa do nauta o berço?
O gol não tem certidão de batismo, árvore genealógica, nome e sobrenome feudal.
O Brasil começou a ser Brasil 120 anos atrás.
Num dia de domingo. 13 de maio.
No mesmo horário de um Fla-Flu, de um Palmeiras x Corinthians, de um Clássico das Emoções. De um Ba-Vi.
Há 120 anos era assinada a Lei Áurea pela Princesa Isabel. Uma lei com apenas dois artigos...

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