Consigo me lembrar de quando eu era bem pequenininha e assistia aos telejornais com meu pai. Àquela época já havia notícias dando conta dos sem-terra, que eram ligados a movimentos de esquerda e que faziam badernas – sim, eu ouvia os adultos chamarem de badernas – pelo país afora.
Cresci e com o tempo, outros substantivos foram adicionados ao ‘sem’. Ainda na minha infância, aos sem-terra uniram-se os trabalhadores sem-terra e a sigla que antes era MST, ganhou mais uma letrinha. Justo? Não sei. Aliás, não sei como falar em justiça em casos onde a injustiça é mais clara e menos discutível, neste caso então, eu abdico ao direito de expor minha opinião.
Voltando aos sem, o grupo foi aumentando. Hoje, oficialmente – reconhecidos, poderia dizer – existem muitos outros grupos dos que não têm alguma coisa: sem teto, sem marido e por aí vai. Mesmo diante de tantos brasileiros que não possuem alguma coisa e acreditam que deveriam possuí-las – daí a possibilidade de criação de um grupo descamisado que, mesmo teoricamente, luta por alguma coisa ou tem somente a intenção de uma estatística – eu vejo que ainda faltam muitas palavras acompanhando o ‘sem’ pro Brasil chegar a ser um país em que cada cidadão lute por aquilo que lhe é de direito. Quer provas? Muito bem. O primeiro deles pode ser, de longe, a saúde. Você tem saúde? Se tem, parabéns. Se não tem, é hora de organizar um grupo, chamar vizinhos e conhecidos e dar à união o nome de “Movimento dos Sem-Saúde”. Eu garanto, mesmo sem conhecer toda a teoria da criação de grupos desta natureza, que provavelmente o seu será um dos maiores, mais conhecidos e com mais argumentos para provar a real necessidade de existir.
Outro que com certeza virá em pé de igualdade com o da Saúde é o da Segurança. Sim, porque se alguém ainda tem saúde, segurança ninguém tem mais. Em qualquer lugar do país. A pessoa que fundar o Movimento dos Sem Segurança será forte candidata a um prêmio nível Nobel. Num país onde andar nas ruas é arriscado, ficar dentro de casa é perigoso, ter um carro é aventura e ir ao banco é sinônimo de coragem, um grupo desses crescerá com uma rapidez estonteante.
Ao dos sem saúde e dos sem segurança tem que se unir os sem educação. Essa semana alguns dados divulgados mostraram, entre outras estatísticas assombrosas, que o Brasil continua sem dar conta de alfabetizar 100% das crianças até os oito anos de idade. Educação é um investimento de longo prazo e ninguém parece se aperceber disso. O tempo está passando e, como atitude nenhuma é seriamente tomada, está na hora de um de nós fundar o Movimento dos Sem Educação. Na região do Médio Paraíba com certeza não há um número considerável de pessoas que possa dar número a um grupo dos sem saneamento e dos sem energia elétrica – sim, porque por menos que você acredite nisso, há, brasileiros sem saneamento básico e sem energia elétrica -, mas isso não impede que alguém daqui dê voz aos desassistidos e crie um grupo desses.
Outros grupos que fariam sucesso indiscutível e poriam seus criadores nos holofotes da mídia mundial seriam os sem justiça – que ultimamente reuniria os Nardoni que se julgam injustiçados -, os sem família,os sem dinheiro, os sem trabalho – este em pouco tempo ganharia representação dentro dos Estados Unidos, já que por lá a recessão anda fazendo vítimas sérias neste período de pré-eleição. E se alguém criasse o Movimento dos Sem Vergonha? Por motivos óbvios, talvez não fosse fácil a aquisição de membros, embora fosse possível cada brasileiro apontar pelo menos quinze pessoas que se encaixariam no perfil do grupo. Num país de honestidade pública discutível como o nosso, não seriam só os Sem Vergonha que teriam direito a um grupo dos seus, teria também os sem moral, os sem bons costumes, os sem capacidade de manterem-se honestos.
Saindo do campo político – ué, eu estava citando os sem do campo político? Não tinha percebido -, alguém poderia criar os sem vícios, os sem alegria, os sem força de vontade, os sem sobriedade, os sem hombridade, os sem, os sem, os sem e mais pelo menos cem grupos de sem. Quer tentar? Experimente. Quem não faz parte do grupo dos sem coragem, pode arriscar. Muitos deles são sucesso garantido. Ou seu dinheiro de volta.
*Flávia Anastacio é jornalista
2 comentários:
Os políticos já conhecem a sua teoria. Criaram o grupo dos sem-vergonha. Beijosss
Eu faço parto do gurpo dos "Sem Paciência".
Zerei. Enchi.
Bjs.
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