domingo, julho 08, 2007

A imagem mais chocante em 4 anos

Sempre alguém me pergunta qual foi a imagem mais chocante que eu vi, nos quatro anos em que trabalhei com jornalismo policial e eu sempre cito dois casos. Os dois aconteceram num curto espaço de tempo e eu tinha pouco tempo de “rua”.
O primeiro deles aconteceu no dia 21 de abril de 2001. Nunca me esqueci a data porque era o aniversário da Andressa, minha chefe e eu estava de plantão no esquema de sobreaviso. Estava na festa dela, com os celulares e o rádio ligados, com a equipe da Unidade Portátil por perto com os telefones ligados, equipamento todo no carro, enfim. Estávamos a postos e qualquer chamado, estaríamos prontos para atender.
Por volta das 10 da noite a Andressa me chamou e disse que tinha um homicídio culposo no Gama, cidade satélite a 50 km de Brasília. Ela não tinha outros detalhes, como sexo e idade da vítima e autor do crime.
Saí da churrascaria e fui pra lá. Só sabia que era um acidente de trânsito. Até telefonei pro Copom, o Centro de Operações da Polícia Militar (o mesmo 190 que todo mundo liga, lá funciona a central de irradiação de todas as ocorrências para as quais a PM é solicitada), mas o povo nem sabia nada pra me dizer. O sargento Webster, que tava de serviço naquela noite, me disse que os policiais militares ainda estava aguardando a equipe de perícia da Polícia Civil.
Uns 500 metros distante do lugar onde estava o corpo, era possível avistar luzes das viaturas da polícia. O acidente tinha acontecido na rodovia, na entrada da cidade, e por isso tudo tinha que estar muito bem sinalizado. Pra evitar novos acidentes.
Quando cheguei perto, estranhei porque tinha uma viatura da Criminalística Polícia Civil e os homens da perícia não tinham sequer tocado no corpo da vítima. Eles estavam ali perto, conversando com os PMs que chegaram primeiro ao local.
Eu me aproximei e vi que conhecia quase todas as pessoas que estavam “conduzindo” a ocorrência. Perguntei logo porque os peritos não tinham começado o trabalho. Quem me respondeu foi o chefe da equipe de perícia:
- Flávia, pela nossa experiência, esse homem não foi vítima de atropelamento. Como nós somos a equipe de acidente de trânsito, acionamos a perícia de morte violenta. Nós até poderíamos ter começado o trabalho, mas poderíamos comprometer provas importantes, se tocássemos no corpo e depois descobríssemos tratar-se de morte violenta.
A explicação tava dada. O cara – lógico – tinha razão. Só me restava aguardar a chegada da outra equipe de perícia pra ver no que ia dar...
A minha equipe se pôs a preparar o equipamento, puxar um ponto de luz de uma casa próxima (que ficava uns 200 metros do local), providenciar tudo pro começo das gravações. O Alexandre Silva (o melhor cinegrafista que eu já conheci) captou imagens dos arredores, da via, das viaturas de polícia, do corpo da vítima – que estava de bruços – e de mais um monte de coisas. O Alexandre sempre foi muito cuidadoso, e se algum editor reclamasse que uma matéria dele não tinha imagem pra cobrir off, com certeza tava mentindo... o cara é muito preocupado com isso e tira imagem de tudo.
Uns 45 minutos depois que chegamos, estacionou perto a viatura da criminalística, dessa vez, com os peritos em morte violenta. Eles me cumprimentaram e até brincaram que iam utilizar a nossa iluminação pra facilitar o trabalho. Os dez minutos seguintes foram de preparação dos homens da perícia: luvas, câmeras, gizes, galões de água e mais um monte de trem. O corpo já tava isolado pela fita amarela e os curiosos estavam à margem.
O Herlan, meu motorista e auxiliar do cinegrafista, se propôs a iluminar o local pros peritos e eu estava vendo a movimentação, distante uns 5 metros, conversando com os policiais militares, inclusive tornei-me amiga de vários deles posteriormente.
A gente conversava e observava o início do trabalho dos peritos. Eu, nessa época, ainda pensava que o trabalho deles devia se muito desagradável (ainda porque com o tempo, eu nem ligava mais e passei a achar que era um trabalho como outro qualquer). Eu estava até um pouco distraída quando um dos peritos, com as mãos nos ombros da vítima, virou o corpo. Houve um murmúrio entre as pessoas que estavam ali e antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, um dos policiais militares pôs-se à minha frente e disse: “Flavinha, querida... você não precisa ver isso. Vai pro carro e daqui a pouco, depois que o IML levar o corpo, você volta e a gente grava o que você quiser”. Imagina se eu ia pro carro e deixar a minha equipe ali... sem falar que eu era uma repórter policial, oras. Eu não podia simplesmente me recusar a ver alguma coisa só porque era “menina”. Falei pro Gomes – esse era o nome do polícia que tava na minha frente, impedindo que eu visse o que havia ali: “Ih, pára! Eu vou ficar aqui, você vai me deixar ver o que tem lá e vamos gravar tudo o que eu precisar gravar com o corpo ali, fazendo figuração” (pode parecer frieza, mas foi isso o que eu disse. Talvez pra mostrar firmeza). Ele se de por vencido, resmungou um “tudo bem, eu avisei” e saiu da minha frente.
Os meus olhos permaneceram sobre o corpo da vítima apenas por uma fração de segundo. Foi o tempo exato de olhar, entender o que havia ocorrido e virar de costas, com as mãos cobrindo os olhos. Era a primeira vez que eu via um morto “pelo trânsito” em situação tão deplorável. Eu nunca perguntei praqueles policiais, mas não sei nem se soltei um gemido de pavor...
Tirei as mãos dos olhos e vi que Herlan já estava me perguntando se eu estava bem. Ele tinha deixado o pau de luz quando viu que o Gomes tinha tentado me impedir de olhar e que mesmo assim eu queria ver. Eu estava bem ou pelo menos estava tentando me convencer de que estava. Eu não queria nada, só queria criar coragem e olhar novamente para o corpo... eu precisava! Era uma repórter policial!
O povo continuou tentando me convencer de que não era necessário, mas eu insisti. Quando me virei, vi que o Alexandre estava gravando sem olhar no visor da BetaCam. Ele posicionou a câmera no tripé, direcionou pro corpo e apertou o botão “REC” sem olhar pra ver que tipo de imagem estava sendo gravada. Isso era inimaginável, sem se tratando do Alexandre Silva!
Achei coragem em algum lugar dentro de mim e olhei. Aí, sim, entendi de fato o que havia acontecido e depois tive certeza e enriqueci a minha “versão “ com alguns detalhes que não tinha como conhecer, apenas olhando a cena do crime. E bota crime naquilo!
A vítima era um homem mulato, de 1,72m de altura, uns 75 quilos talvez. Ele vinha caminhando pela beira da estrada, quando foi atropelado por uma bicicleta. Estava escuro (rodovias não têm iluminação artificial, de postes, somente dos faróis dos veículos) e ele ainda estava deitado no asfalto quando um veículo Pálio, trafegando pelo canto da via, o atingiu. Se tivesse terminado por aí, a imagem não teria sido tão chocante. O que aconteceu foi que ele estava debaixo da parte dianteira do carro. A mulher que estava dirigindo achou que fosse uma grande pedra e continuou dirigindo. A camisa que o homem vestia ficou enganchada nas ferragens da parte de baixo do carro. E se você está pensando que ele foi arrastado pelo Pálio, acertou. Foi isso o que aconteceu. Ele foi arrastado por 200 metros. Nem é uma distância muito grande, mas foi o suficiente para que o asfalto destruísse a pele do seu abdome e moesse os ossos da costela dele.
Quando o perito virou o corpo, todas as vísceras do homem ficaram no asfalto e só o que veio em direção ao corpo do policial foi um corpo oco, sem nada por dentro.
Talvez você consiga ter uma noção da imagem, mas com certeza ela será vaga. Muito vaga. Foi chocante. Uma imagem que ficou na minha mente, de um fato que eu considero importante causador do ‘receio’ que eu tenho de trânsito e de tudo o que o envolve.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa Flávia, esse tipo de coisa choca mesmo né. Quando trabalhei na tv aqui, tbm tive q ver muitas coisas chocantes. Mas, não cobria apenas polícia entção mesclava com coisas legais... Mas acidentes assim são deploráveis a gente percebe q nosso corpo não é nada... Que somos nada! Isso me assusta um pocuo...