quinta-feira, agosto 28, 2008

Como sorrir no retrato de família*

*Livia Garcia-Roza

Se você foi convocada a comparecer à casa de seus pais para tirar uma fotografia – como preparação para as Bodas deles – junto aos quase quarenta membros da família, não se atormente nem se aborreça. Para alguns, estar entre familiares é uma alegrai; para outros, desesperante. Se você pertence ao segundo grupo, seguem algumas linhas:
Pise firme ao entrar no olho do furacão, evitando assim tropeços logo de saída; em seguida abra a bolsa e retire um chiclete, a goma tem função importante nesses momentos, ela ocupa as mandíbulas e é capaz de sustentar uma mastigação raivosa, além do refrigério que produz ao invadir sua boca. Cumprimente os parentes oferecendo as bochechas; palavras são desnecessárias, balance apenas a cabeça e, quando muito, repita chavões. É suficiente. Nesse trajeto vai se escoar um bom tempo. Após os cumprimentos, um respiro: escape para o banheiro. Cuidado apenas com os gestos, lembre-se de que o espaço é pequeno. Aproveite a solidão do lavabo e se veja no espelho. A cara está péssima. Retoque o batom e nem mais uma mirada. Na volta, cruze a sala, alheia ao bando que a rodeia. E uma vez sentada, ausente-se; e observe à distância a rebeldia dos laços humanos. Atenção, no entanto, às falas apontadas para você, as armas são muitas e surgem inesperadamente; ao ser perguntada por que está sem trabalho, ou ao ouvir comentários sobre a atual mulher do seu ex, mostre-se vaga. E não se deixe perturbar por cutucadas, risos e falas sussurradas. Mantenha a calma e a goma de mascar. Serenus. A seguir, imagine-se dentro de um avião, ao lado do seu namorado, com destino a um balneário paradisíaco. Pense em vocês dois correndo nas límpidas areias da praia em direção às pequenas ondas azuis. As desencontradas vozes presentes, as exclamações e os decibéis infantis facilitarão a decolagem rumo ao paraíso. E o fotógrafo que se posta diante do grupo do qual do qual você já se levantou vôo transforma-se na aeromoça que, cheia de gestos, detalha seu método infalível de como se salvar de um abrupto acidente aéreo.
De repente, uma agitação maior. E não foi do susto pela onda que se elevou na praia imaginada. Sua mãe acaba de saltar do sofá e sair às pressas. Alguém diz tratar-se de uma corrida ao banheiro. Os adultos riem, as crianças aproveitam para correr, os bebês, engatinhando, disparam pelo chão da sala. O fotógrafo volta a ceder vez à aeromoça que, baixando a máscara, a devolve para a poltrona da frente. E seu sonho voa. As pessoas circulam ao redor da mesa à procura do que comer. Sua avó, cabeça tombada, cochila em meio ao tumulto. De repente, a porta da cozinha se abre e o cachorro entra em cena e, depois de uma volta completa na sala, desaparece. Passada meia hora de barulheira insana, sua mãe retorna em passos rápidos, penteando as sobrancelhas com os dedos. O fotógrafo volta a empunhar a máquina, e todos retornam aos assentos, a se espremer e a sorrir. E você, passageira, também sorri, ao perceber que dentro de instantes família não há nem nada; e o flash espoca.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caramba... é exatamente assim que a humanidade se sente!

Anônimo disse...

RIR EM FOTO DE FAMÍLIA? FOTO? FAMÍLIA? QUE ISSO?

Anônimo disse...

Eu adoro fotos e não tenho problemas dessa natureza...

Giovana disse...

Dizem que família é um negócio lindo!... no porta-retratos.