Um colunista da Revista Alfa se submeteu a um domingo inteiro assistindo à TV aberta,
sem sair de casa. O resultado? Eu gostei tanto da opinião dele, que decidi compartilhar.... ta aqui...
Tortura ao vivo
9:15 (SBT) Acordo
estremunhado e Chaves está passando na tevê, que deixei ligada. Nunca vi
Chaves, o que me deixou de fora de metade das conversas ao longo da
minha vida. É inocente e tudo, mas é difícil imaginar uma geração que
cresceu vendo isso sabendo escolher uma gravata.
10:50 (Record) Uma má fase
do Picapau, e eu nem sabia que ele havia passado por uma má fase. Cores
berrantes de todos os desenhos pós-anos 1980: verde-tomada, roxo etc.
(As mesmas cores dominarão o dia em todos os programas de auditório.)
11:10 (Globo) A Globo
parece ter descoberto o que é curling, e por Deus como estão empolgados.
Crianças assustadoramente desajeitadas aprendem o esporte. Esporte no
Brasil é tratado pelos canais abertos como hobby de pessoas com um leve
retardo mental: com um tom constante de bom humor nauseante, mascotes,
animações etc. Os apresentadores parecem um casal excessivamente
amigável e um pouco burro que você tentaria evitar durante uma excursão.
13:00 (Globo) Regina Casé.
A plateia parece selecionada para que ninguém seja mais bonita que a
apresentadora. Aparentemente toda atividade humana é considerada cultura
por Regina Casé. “Ai, que mistura antropofágica tropicalista
deliciosa”, ela diz. Esse programa tem uma ideologia sinistra: uma
mescla blasfema de modernismo, tropicalismo e ecologia. Se quer saber
qual a ideologia da verdadeira casta dominante brasileira, veja isso.
Pessoas com “experiência de sustentabilidade” são entrevistadas e se
entediam umas às outras.
14:00 (Globo) Vovozona parece grande arte depois disso tudo – um filme de Renoir ou Ozu.
14:00 (Globo) Vovozona parece grande arte depois disso tudo – um filme de Renoir ou Ozu.
16:50 (Record) Um cavalheiro pouco instruído e de
testa alarmantemente baixa puxa a minissaia de uma gostosa com uma
espécie de aspirador. Todos riem. Isso dura uns 10 minutos. Tudo tem uma
lubricidade tão desanimada que poderia ser apreciada na companhia dos
seus avós.
17:30 (SBT) Eliana. Mulheres meio acabadinhas de
meia-idade corrigindo “falhas na sobrancelha”. “Batalha das Encalhadas –
Faltou química ou pegada?”
17:40 Não queria quebrar o fluxo de idiotia, mas li um pouco de Camilo Castelo Branco no banheiro. Isso é trapaça?
18:00 (Globo) Faustão, emagrecido, mostra
videocassetadas com a cara trágica de um promotor relatando horrores no
tribunal de Nuremberg. Voz do Faustão muito alta. Sensação de vergonha
de que ouçam a voz dele saindo do meu apartamento.
19:45 (SBT) Sílvio Santos, cujo programa não vejo
desde a infância, mantém sempre um tom de zombaria em relação ao
público. Isso basta para torná-lo superior aos outros apresentadores,
como ser humano mesmo, porque sua zombaria parece mais honesta que a
bajulação e a falsa simpatia dos concorrentes. Quase entendo o carinho
que alguns dos meus amigos sentem por ele. O imperdoável é que usa um
terno apertado demais na barriga e combina sempre a gravata com o lenço.
20:50 (Globo) Depois de ver um pouco de Baywatch na
Bandeirantes (me recuso a dizer “Band”, sempre acho que estão forçando a
intimidade), passo para o Fantástico. Revelações desenxabidas sobre
corrupção. Não vai ter reportagens com pessoas deformadas, ou sobre o
Segredo de Fátima, com música sinistra? Nada jamais me meteu tanto medo
quanto os Fantásticos da minha infância.
21:00 Minha namorada vem me ver e respondo com sons
guturais de macaco. A vulgaridade deve estar emanando do meu rosto como
a tristeza do rosto do Faustão. Uma sensação de que o conjunto de
possibilidades da vida foi drasticamente reduzido. Estou convencido de
que ninguém tem uma preocupação intelectual no mundo. Durante anos não
quis visitar os canais abertos porque tinha medo de ser assaltado.
Depois de 12 horas nesse bairro industrial abandonado, nada me aconteceu
fisicamente. Mas os efeitos mentais demoraram algumas horas para
passar.
*Fonte: Revista Alfa
Um comentário:
"Voz do Faustão muito alta. Sensação de vergonha de que ouçam a voz dele saindo do meu apartamento."
Bom demais!
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