Todos os dias, desde que comecei a cobrir polícia, eu
encontro gente que está sendo acusada de crime, dizendo que não cometeu. É
assaltante dizendo que ta preso por engano, traficante que diz que tava
guardando a droga para um desconhecido, estuprador falando que era só um
programa e blá-blá-blá. Isso aconteceu todos os dias. Mesmo. E não é só em
jornalismo policial. Acontece em jornalismo político também, ainda mais no
Brasil, onde corrupção é regra e, negar envolvimento, fundamental. Já virou até
piada em filmes. O acusado sempre diz que é inocente e o outro emenda: “ah,
sim, aqui todo mundo é inocente”.
E esse assunto virou manchete em sites e jornais e tema de
entrevistas em programas de TV essa semana. Um rapaz, formado em Psicologia e
vendedor de uma loja em um shopping do Rio de Janeiro, que fez uma ponta em
alguma novela da Rede Globo, foi preso por policiais militares depois de ser
reconhecido por uma mulher que teve sua bolsa roubada. Foi logo depois do
assalto. A vítima encontrou uma viatura da PM e pediu ajuda. Enquanto os
policiais faziam buscas pelos arredores, junto com a mulher, a única capaz de
reconhecer o bandido, ela viu o rapaz. Depois, ela até disse que teve dúvidas,
mas muito provavelmente, na hora em que o avistou, ela foi categórica em
apontá-lo como o ladrão que roubou a sua bolsa.
O rapaz foi levado à delegacia, autuado e recolhido a um
presídio. Como acontece em todos os casos de suspeitos e acusados presos em
flagrante. Em qualquer lugar do país.
A prisão dele foi noticiada pelos veículos de comunicação e,
alguns dias depois, um grupo de amigos dele se mobilizou para tentar provar que
ele não tinha cometido o crime. Ao todo, o suspeito ficou preso por 18 dias,
sem saber que havia gente tentando provar que ele era inocente.
No começo da semana, enfim, ele foi solto. Mais magro,
pálido, visivelmente abatido. Claro, preso por engano, vítima de uma grande
injustiça...
E aí começou a maratona de absurdos.
Para diversos sites, jornais e até ao tal Encontro, da Rede
Globo, ele foi entrevistado. Li algumas de suas declarações. Ele se disse
inocente em todas elas. Em algumas, disse que pensou na família o tempo todo,
em outras, disse ter se preocupado com o emprego que talvez perdesse ao sair da
cadeia e assim por diante. Sempre tinha uma pergunta a ele relacionada ao
sentimento pela polícia, que o acusou...
Mas o absurdo maior eu vi naquele Encontro. A Fátima
Bernardes, exímia apresentadora (ou mera leitora de TP, não sei) o entrevistou.
Diante de amigos emocionados, atores perplexos e provavelmente telespectadores
grudados na tela, ela perguntou: “Você não pôde dizer ao delegado que é formado
em Psicologia e que tem um trabalho?”. É, foi com essas palavras, eu vi,
ninguém me contou. Só que não disseram a ela que ladrões não são,
necessariamente, pessoas que nunca estudaram. Não é regra para a vida no crime a pessoa ter
cursado apenas a quarta série primária. Exemplo disse é o bando de políticos
que comete crimes de furto todos os dias no Brasil.
Outra pergunta: “O delegado não achou um absurdo um trabalhador
ser preso por assalto?”. Sim, senhora apresentadora, ele deve ter achado, só
que a opinião dele não conta muito, quando a acusação está sendo feita por uma
vítima, que afirma não ter dúvidas de que aquele homem preso foi o autor do
crime contra ela.
E o acusado, no estúdio de televisão: “Um dos maiores
absurdos foi que não colocaram cinco pessoas para aquela mulher olhar e apontar
o criminoso”. Ei, gente...alguém precisava ter dito que essa ‘acareação’ é
feita, na maioria das vezes, quando o crime é registrado e, fora do flagrante,
uma pessoa é detida como suspeita, sem provas de participação no fato. Aí, para
que a vítima não seja traída pela memória que guarda do crime, são colocadas
algumas pessoas para que ela ‘escolha’ o autor. E não, esse método não é
eficaz, a quem interessar possa. Injustiças acontecem todos os dias.
Anos atrás, um grande amigo meu, soldado da PM do Distrito
Federal, foi preso e autuado por cinco crimes de estupro. Ele foi reconhecido
por cinco mulheres, nesse esquema de ficar perto de outras quatro pessoas na
hora de ser visto pelas vítimas. Negou a autoria do crime, mas ficou preso sob
força de mandado de prisão preventiva, após ter seu material genético coletado.
Antes de vencer o prazo do mandado, o resultado: ele não
cometeu nenhum dos crimes. Mas como a delegada da Deam não acreditou nele? Como
o major, comandante da unidade na qual ele servia, deixou que o prendessem,
mesmo ouvindo dele que era inocente? Como o Estado permite que uma coisa dessas
aconteça?
Aí é que está. O Estado não permite. Ele não foi apontado
como estuprador pelo Estado, após uma investigação dos empregados do Estado, os
policiais. Ele foi preso após cinco mulheres o apontarem como o criminoso.
Simples assim. O delegado tomou seu depoimento, assim como
fez com o ator preso no Rio. Nos dois casos, certamente, os acusados negaram.
Alguém duvida disso? Só que isso acontece em quase todas as prisões. Tanto que
quando a pessoa que é presa confessa a autoria do delito, isso vira manchete em
todos os veículos de comunicação. É claro, é a exceção. Confissões são
comemoradas todos os dias pela polícia. Deve ser porque dá a sensação de
justiça.
Mas, cá entre nós, se tem vítima, que reconhece o acusado
como autor do crime, duvidar de que?
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