Cara, eu ontem fui pra balada. Eu não bebia desde 1854
quando tive meu Romi-Isetta apreendido por porte indevido de naftalina. E
dancei black music. Eu não dançava black music desde o solstício de 1754, na
finda Iugoslávia. Eu pedi "Britney" ao DJ. Eu não ficava assim na
merda desde antes de Cristo, quando meus problemas com o elevador da escápula
começaram.
E pensar que eu só queria ter ido até a drogaria Onofre comprar Omeprazol, um gel clareador de manchas (porque me nasceu um troço escroto que parece bigode) e água termal. Mas me convenceram a entrar.
E pensar que eu só queria ter ido até a drogaria Onofre comprar Omeprazol, um gel clareador de manchas (porque me nasceu um troço escroto que parece bigode) e água termal. Mas me convenceram a entrar.
E porque meu namorado tinha elegido sem consulta prévia um
dia de "vou com os meus, vá com os seus", acho que embarquei nessa
palhaçada de tentar ser feliz no último lugar onde se pode ser: uma balada de
playboy. Também não se é feliz na Vila Madalena ou em festinhas de
publicitários barra cineastas. Felicidade, seu nome fantasia é pijama –e
sabemos disso desde que somos bebês. Não existe bem-aventurança pra fora de
nossa casa. Mas balada de playboy é o apelido carinhoso do inferno.
Magros, de boa pele e sempre altivos na defesa de seus
desinteresses, playboys são a confirmação mais bonita da inexistência de Deus.
Com suas vozes de patos nasalados histericamente infelizes, eles incomodam mais
do que o trânsito na Sumaré. No banheiro escutei a seguinte conversa:
"Joãozinho é chato, mas tem casa na Toscana".
A meu lado jovens com pernas muito musculosas (essa geração
toma alguma bosta pra ficar com essas pernas, não toma? Porque na minha época
era lindo ter 20 anos mas ninguém tinha a perna do Vampeta) repetiam
"partiu, Royal?". Eu ria e pensava "caraca, eles AINDA querem
mais? Eu já tô que não aguento minha lombar!".
E eles circulavam e circulavam e circulavam como se andar em
círculos fosse trazer algum acalanto para tão poucas e pobres perguntas. E eu
bocejava, fechando meus olhos úmidos de pavor e pré-coma, e pensava: "não
deu certo essa coisa de comprar um colchão Tempur. Gastei uma fortuna e meu
problema de coluna piorou. Será que eles devolvem meu dinheiro? Tempur, vocês
me prometeram uma coluna saudável mas eu viro um tatu bolinha durante a
noite".
E eles se beijavam de enfiar a ponta da língua no infinito
da jugular alheia e eu pensava: "papel higiênico, couve manteiga, shampoo
sem sal, INSS da Julenice, visitar o filho da Ana, cortina na sala de
jantar".
Uma garota passa chorando por mim. Dramática, intensa,
arrasada. Deve ter brigado com o Joãozinho que, apesar de chato, tem casa não
lembro mais onde. Um dia, meu amor, esse teu bracinho fino vai virar uma massa
amorfa que, não importa quantas aulas de pilates você faça por semana, reterá
todos os líquidos do seu corpo. Se você comer metadinha de uma torrada
integral, saiba que todo esse veneno irá pro seu bracinho. Então, serzinho
jovem e belo, não chore. Deixe pra se lamentar quando seu antebraço virar a
arma ultrapassada de uma esquecida polenteira assassina.
Acordei no dia seguinte com minha cachorra tentando pegar o
chiclete que eu colei na parede, atrás da minha cama. Ia dar risada quando
percebi que da vértebra C1 até o cóccix doía tudo. Joãozinho, me leve pra
Toscana, seu mala desgraçado. Mas, por favor, não pense que somos amigos.
*Tati Bernardi é escritora, redatora, roteirista de
cinema e televisão e tem quatro livros publicados.
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