domingo, novembro 11, 2018

Entenda o que dizem os seus filhos

Este assunto veio à minha mente há poucos dias, e, desde então, eu vinha pensando em como abordá-lo aqui. Primeiro, porque não sou exímia entendedora da mente humana e não sou mãe há tanto tempo assim. Depois, que esse negócio de gravidez deixa a mulher um tanto emotiva e, portanto, mais suscetível a determinados sentimentos, especialmente quando o assunto envolve os filhos.
Uns dias atrás, pululou na minha timeline do Facebook, determinada postagem feita, inicialmente, por uma página que faz, usualmente, publicações humorísticas. Eu, que não costumo ficar muito tempo olhando o que as pessoas escrevem - não por falta de interesse, mas de tempo mesmo -, parei para ler quando vi que muitos dos meus contatos estavam compartilhando e/ou comentando. Era um chamado para que as pessoas escrevessem ali nos comentários o que diriam se pudessem fazer uma ligação telefônica a si mesmas quando crianças.


Achei a ideia interessante e quase me pus a imaginar o que eu diria para a Flávia de 30 anos atrás, mas não deu tempo. Fui golpeada pelos primeiros comentários que li. Eram pessoas se dirigindo a si mesmas, com 4, 5, 8 anos de idade e, nos telefonemas imaginários, elas pediam, imploravam, suplicavam para que elas mesmas, quando menores, fugissem de vizinhos, pais de amiguinhos, tios, vizinhos, meio-irmãos, padrastos e mais uma lista enorme de conhecidos e velhos amigos da família. E o mais chocante eram os motivos: ele vai te fazer mal, ele vai te tocar, ele vai te violentar, ele não gosta de você tanto assim. E os conselhos eram muito parecidos: conta tudo pra sua mãe, fala pra vovó porque ela gosta de você de verdade, fuja, não olhe para trás, grite.
No auge das minhas 35 semanas de gravidez, não contive as lágrimas. E percebi que homens e mulheres não-grávidas também estavam emocionadas com o que liam. E algo me tocou profundamente. Obviamente, meu primeiro pensamento é a Aurora, mas não só. Penso na minha sobrinha, na Catherine que ainda vive no aconchego e segurança do meu útero, nos filhos e filhas dos meus amigos e amigas, nos primos e, não tem como não pensar, em mim mesma quando criança. Não fui molestada, mas muitas crianças, que viviam vidas parecidas com a minha, foram. Por padrastos, pais de amiguinhos, conhecidos, "irmãos" da igreja... enfim.
E isso ficou me corroendo por dias.
Algum tempo depois, vi outra postagem, desta vez em um grupo de anúncio de serviços e produtos oferecidos por brasileiros na região em que vivemos. Na postagem, uma mãe aconselhava outras mães a tentarem conhecer as babás com as quais deixavam seus filhos, porque um dos filhos dela, um menino de 4 meses, tinha chegado em casa com uma marca roxa no bumbum. Nos comentários, outros brasileiros dizendo que o menino poderia ter caído (a mãe dizia que não, porque a criança ainda não andava), ou que o menino poderia ter saído de casa com aquela marca (ao que a mãe respondia que tinha dado banho de manhã no menino e não, ele não estava com o roxo) e outras tentativas de explicar aquela marca. A mãe estava bem categórica quando dizia que o filho tinha sim, sido marcado durante as horas em que permaneceu com a babá.
E foi aí que eu me lembrei de como tinha sido a minha tentativa de deixar a Aurora aos cuidados de uma babá, assim que chegamos aqui, para que eu pudesse trabalhar. Sim, a vida aqui é muito difícil e ser dona de casa não era uma opção quando chegamos. Eu precisava trabalhar. Aliás, ainda preciso.
Aurora tinha 11 meses. Mamava no peito e ainda sofria a adaptação da mudança. Contratei o serviço de uma babá e deixei a menina lá no primeiro dia. Recebia fotos o dia todo e relatório por mensagem. Ela chorava de tempo em tempo, mas não passava o dia todo chorando. Havia outras crianças na casa e isso, de certa forma, me tranquilizava. Quando cheguei para buscá-la, peguei a mimha filha de um jeito que nunca tinha visto: chorando compulsivamente (começou quando me ouviu chamá-la, mesmo antes de eu aparecer) e tremendo. Pensei: está sentindo falta do meu peito. Era o pensamento mais lógico que me vinha à mente. Mesmo assim, não parei pra dar mamá lá na casa da babá. Pegamos o caminho de casa e chegamos em uns 10 minutos. Ainda não tínhamos carro e fizemos o trajeto a pé, com a Aurora se acalmando devagar. Em casa, antes de dar o mamá, ofereci o jantar que eu tinha deixado preparado. E para a minha surpresa, Aurora comeu como nunca havia comido na vida. Eu estranhei muito. Ela comeu uma quantidade tão absurda, que eu nem tive coragem de dar um banho logo depois. Ela pediu mamá, mas foi apenas para fechar os olhos e dormir. Quando verifiquei a mochila dela, com roupinhas, fraldas e todas as refeições que eu havia mandado, estava tudo em ordem. Os potinhos de comida, bolo, fruta, iogurte estavam vazios ou não estavam na bolsa. Bom sinal... ela havia comido tudo o que eu tinha enviado. Ponto pra mim. Certo?
No dia seguinte, ao chegar, um dos filhos da babá me disse que o bolo de banana que eu tinha mandado pra minha filha no dia anterior e o iogurte infantil eram muito gostosos. Estranhei, mas não questionei. E o dia transcorreu como o anterior. Mensagens, fotos e Aurora chorando copiosamente quando o papai chegou para buscá-la.
Até aquela idade, Aurora, embora um pouco arredia (tinha acabado de se mudar de país e as únicas pessoas com as quais ela convivia éramos eu e o pai, a tia, o tio e uma priminha bebê), mas nunca fora chorona. Aliás, passou a ser há bem pouco tempo, mas isso é assunto pra outra postagem. Ela era uma criança doce e, por mais que estranhasse e não quisesse ir no colo de qualquer pessoa, ela, de forma geral, se comportava bem. 
E neste segundo dia, eu parei para tentar entender o que ela estava tentando me dizer. Chegou em casa, dei banho antes do jantar. Achei que ela só iria querer mamar para dormir, afinal de contas, novamente a mochila não trazia vestígios da comida e dos lanches que eu tinha mandado para a babá. Mas não foi o que aconteceu. Aurora comeu tanto quanto no dia anterior. E ao final, queria colo, chorava, soluçava e o coração - dela - sempre acelerado. O nosso, partido.
Mensagem pra babá: como foi a alimentação da Aurora de dia?
Resposta: Ela almoçou um pouquinho.
Eu: Certo. E o iogurte, o bolo de banana, o kiwi e a laranja? Ela comeu? (na esperança de a babá me dizer que sim, ela tinha apenas rejeitado a comida de sal, mas as frutas e o resto, tinha comido).
A babá: Ah, não, não comeu. Ficou aqui na minha geladeira. Outra criança comeu os bolos.
Não disse mais nada. Entendi o que a Aurora estava querendo me dizer. Até hoje, não sei bem se a babá não oferecia os lanches que eu mandava ou se a Aurora não aceitava. Uma coisa eu tenho certeza absoluta: quando estava com fome, após várias horas sem comer, Aurora teria aceitado qualquer coisa que a ela fosse oferecida. Ela é assim. Até hoje eu deixo ela sem beliscar entre as refeições, para que ela coma melhor.
E eu entendi. Aurora não estava se sentindo bem ali. E eu não iria forçá-la. Não antes de ela ter um ano de idade, não antes de ela aprender a me dizer o que estava acontecendo.
Não houve violência física contra ela. Não houve marca roxa. Não houve agressão. Pelo menos eu acredito que não. Mas houve outro tipo de violência. Uma criança de 11 meses não tem querer, eu concordo, mas ela sabe o que está sentindo. Sabe o que está vivendo. E, mesmo que não saiba falar, consegue nos mostrar que há algo errado.
Preste atenção ao  que diz seu filho, ao que ele tenta mostrar a você. Crianças podem sim, ser mal criadas, cheias de vontade, elas podem precisar de correção e até de um tapa ou castigo, mas elas também sentem coisas boas e coisas ruins. Não mentem. Falam com os olhos, especialmente com as pessoas nas quais confiam.
Precisamos saber ler os sinais que elas nos emitem. Precisamos entender que elas estão querendo nos dizer, mesmo que não falem.
Ouça o que dizem seus filhos. Pare de esbravejar, pare de tentar corrigir aquilo que não precisa ser corrigido. Pare de comparar seus filhos com os filhos do vizinho. Fale baixo para ouvir o que o seu filho está dizendo. Faça silêncio para entender o que ele está sentindo.
Isso vai mudar muita coisa dentro dele. E de você.


Texto para os próximos dias: "Cuide dos seus filhos". É como uma continuação deste.

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