As Sete Grandes Vantagens da Depressão Crônica *
(ou manual do spleen para deprimidos amadores)
* Marcelo Moutinho
Não obstante servir como alvo permanente da condenação dos profetas do otimismo fácil, a depressão representa um importante elemento motopropulsor da criação artística. É sabido que a melancolia constituiu traço inequívoco da personalidade de alguns dos mais célebres nomes do meio cultural e artístico - escritores, dramaturgos, cineastas, pintores e escultores que, seguindo caminho contrário ao apregoado pela filosofia nouveau riche da auto-ajuda e apostando no spleen, conquistaram lugar e fama no olimpo do sucesso, seja durante a vida, seja post mortem. Mas se parece fácil conquistar espaço cativo nesse disputadíssimo mercado, desfrutar de seus privilégios é prerrogativa de poucos. Somente aqueles que atentam para os benefícios associados a um verdadeiro estado depressivo crônico conseguem usufruir, efetivamente, de tais regalias.
Chega de ouvir as pessoas dizendo para você desentocar, sair de casa, ir ver um filme, andar de bicicleta, fazer um curso, olhar para o céu, constatar que o sol pode iluminar a usa vida Reaja! Defenda seu direito à angústia profunda, ao baixo-astral, ao pessimismo, lembrando e reafirmando dia após dia ("é só por hoje") as sete grandes vatagens da depressão crônica:
1. Capacidade de mobilização - Quando você é um depressivo crônico, forma-se uma verdadeira e extensa rede de afetividade à sua volta. Parentes, amigos, colegas de trabalho, todos se mostram 24 horas por dia preocupados com a sua saúde e seu estado de ânimo, estimulando programas em grupo e emprestando generosidade as suas companhias. Em suma: você nunca será um indivíduo solitário.
2. Personalidade de referência - Em oposto ao que se imagina, o indivíduo dominado pelo spleen goza de extrema popularidade. Ele é invariavelmente lembrado, mesmo em conversas alheias - e em geral acarretando apaziguação. É muito comum que amigos, diante de situações-limite, recorram ao nome do depressivo para tranqüilizar seus interlocutores: "Calma, que eu não sou Fulano", "Está pensando que vou ficar que nem Sicrano?".
3. Manutenção da boa forma - Um legítimo deprimido costuma carregar a tiracolo sinais claros de anorexia. A baixa ingestão de calorias resulta em economia nas despesas mensais, entrava os riscos da obesidade e garante um corpo magro, preceito tão importante na atual sociedade.
4. Garantia de atenuantes -Em razão de estar habitualmente às voltas com remédios repletos de efeitos colaterais, o depressivo goza de atenuantes exclusivos de seu estado e que o distinguem do restante da população. Diante de uma gafe, de uma atitude reprovável, de uma frase mais grosseira, ou mesmo de um equívoco ou uma falta no trabalho, ele sempre tem na manga uma ótima justificativa: "É que hoje não tomei minha fluoxetina", "Ontem acabou a risperidona"...
5. Ar de conteúdo - Você não consegue imaginar um depressivo crônico saltitando em meio a uma micareta, certo? isto porque o deprimido mantém, como marca inata, uma aura de conteúdo, um ar de quem leu todos os livros, viu todos os filmes, peças, exposições, e dedica todo o seu tempo à admirável missão de meditar sobre os sentidos da existência.
6. Estilo cool - A recorrência das cores pretas no vestuário assegura um estilo cool que nunca sai de moda. Pelo contrário: ao reafirmar seu tipo clássico diante das novas tendências, o depressivo conquista uma imagem de autonomia e bom gosto. A fidelidade aos cortes sóbrios e tons escuros tem a vantagem adicional de evitar constrangimentos, como o de deparar, muitos anos depois, com sua imagem coberta de trajes ridículos em velhas fotografias.
7. Distância dos chatos - Vendedores de coisas inúteis e sua forma mais contemporânea - os atendentes de telemarketing - mantêm-se afastados dos depressivos crônicos. Convencer um indivíduo essencialmente melancólico a comprar ou associar-se a determinado serviço é tarefa árdua. Basta ao sujeito em depressão festejar o chamado recebido - "Que bom que você ligou, estou precisando tanto conversar..." - e eles desistem imediatamente.
Percebeu? Não é qualquer um que pode gozar de tantos benefícios. E se ainda assim for vítima de alguma recaída e de repente começar a sentir que no fundo do poço existe uma mola, a acreditar que o mundo pode de fato se transformar num imenso e delicioso Prozac, recorde-se dop princípio elementar da depressão: você não é especial. A exemplo de outros milhares de habitantes do planeta, é apenas mais um pobre-diabo condenado à morte desde o nascedouro. Mas pelo menos tem noção disso.
*Publicado originalmente em "35 Segredos para chegar a lugar nenhum"
6 comentários:
Me empresta o livro que eu boto na sua fita aquele cara que você achou bonito lá na igreja ("Gato pá caramba" foi o que você disse, não foi?)....
Literatura de baixo ajuda???
Já to na fila, Júnior! Cai fora! A Fravia nem vai querer mais o cara! Com um livro destes....
Ah, Carolina, não lasca!
Agora as minhas acramações são lugares pra discussões entre amigos que não se vêem há anos? Fala sério!!!
Por isso digo que amei. A Michelli precisa muito deste livro. hahaha
O negócio é bom mesmo!
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